quarta-feira, 20 de maio de 2015

Problemas de um funeral em vida...





A Vida
É um prematuro sonho
Só morre
Quem nunca viveu

(Mia Couto)










Hoje, enquanto verificava o correio que recebi, sim, ainda em formato papel, deparei, por entre contas por pagar que invariavelmente aparecem por esta altura do mês, e de um auto de contra-ordenação completamente falso no que dizia respeito à velocidade de atravessamento de uma localidade, por uma viatura supostamente em meu nome e alegadamente conduzida por mim, numa localidade com nome de Santa qualquer coisa (só por aí já seria suficientemente pouco credível que eu passasse por tal localidade) dizia eu que me deparei com uma revista de um clube a que pertenço há vários anos.
Como habitualmente, antes de a deitar para o lixo reciclável, desfolho sem grande interesse as páginas da dita revista.
Desta vez, porém, não resisti a ver com pormenor um anúncio, de página inteira, a cores, de uma agência funerária.
Desde logo, ser a cores o anúncio dos serviços prestados, já me parece um bom sinal, ainda mais, tratando-se de serviços fúnebres.
O caminho para o fim pode ser alegre, sorridente e até colorido, porque não?
Uma fotografia de um casal de meia idade, abraçados, sorridentes, encima o canto direito do anúncio. Ao lado esquerdo, a verde - sinal de esperança - os dizeres 

PAZ.
Para si e para os seus.

Depois de dar a conhecer que os sócios do tal clube a que pertenço podem beneficiar de condições preferenciais do Plano - o que é sempre bom dado tratar-se da nossa morte ou da morte de um nosso ente querido próximo ou até afastado a quem nós queiramos oferecer o tal Plano - fiquei a saber que existe um Plano.
Fico tranquilo.
Alguém, em Portugal, tem um plano ao qual não podemos fugir.
O Plano tem um nome, assaz simpático, terno, queriducho: Plano Funeral em Vida.
Pelos vistos, também é simples, flexível, vantajoso e seguro!
Primeiro, têm de me convencer a entrar para o caixão. Não vai ser fácil e nem sequer sofro de claustrofobia. É só uma teimosia minha: não entro em determinados espaços, pelo menos, de forma voluntária.
Acho aquilo um bocadinho apertado e eu, mesmo deitado, gosto de me mexer...
Logo, não poderia escolher uma parte fundamental do Plano e, como o anúncio diz que, por ser simples, vai ao encontro da minha vontade e não depende de terceiros, parece que temos já um pequeno problema: vai ter de depender de terceiros a escolha da urna onde repousarei porque eu não o vou conseguir fazer.
Diz ainda o anúncio que, por ser flexível, permite várias formas de pagamento e em qualquer momento pode alterar os serviços que contratou.
Ora bem, vamos imaginar que eu quero subscrever o plano, deixando aos meus herdeiros a tarefa de escolherem a urna, caso se entendam quanto a isso...
Eu faço o contrato, presumo que haja contrato, e havendo várias formas de pagamento, imaginemos que quero pagar o meu funeral em vida (ideia que já de si também me parece um pouquinho tétrica...) a prestações.
Só por mero acaso, imaginemos que no dia a seguir a fazer o contrato, o Senhor chama-me para uma tarefa ainda maior do que aquela que já tive na Terra e que me quer levar para a terra.
Os meus herdeiros, caso não se entendam, não vão ficar em paz uns com os outros como diz o anúncio porque, com grande probabilidade dirão "se foi ele que fez o contrato, ele que pague, sacana do homem, faz o contrato e só para não pagar, até morreu!". 
Depois alguém dirá "e um funeral social, não? sempre sai mais barato..."
"Pagas tu?" - parece que os estou a ouvir...
"Então, o homem fica aqui a cheirar mal e a incomodar os vizinhos mesmo depois de morto?"
A minha morte, no dia a seguir ao contrato, ou até no momento do contrato - o que pode perfeitamente acontecer quando souber o valor do Plano - ainda sem ter assinado o cheque, fica a cargo de quem?
A empresa responde dizendo que é seguro pois garantem a execução (!) do plano que escolheu com o cartão contrato. Garantem a execução!!! É profissionalismo...
Se não for deste modo, vai haver confusão, conflitos, logo, ausência de paz...
E também é vantajoso, parece, pelo menos assim o apregoam: protege os familiares de encargos no momento difícil e pode ser subscrito em qualquer idade.
Isto é encorajador, revela empreendedorismo. 
Pode-se subscrever PPR's, fundos de Investimento, obrigações, contas depósito a prazo com juro negativo (deve querer dizer que nos tiram o dinheiro que nós pusemos no Banco a pensar que rendia algum dinheiro extra no final do contrato mas afinal entregamos aos ladrões voluntária e livremente as nossas economias de que eles se apoderam e não restituem às vezes) - porque não subscrever um Plano Funeral em Vida? Soa bem...E como pode ser em qualquer idade, o melhor é fazer já porque a morte, como os impostos, é certa.
Tem apenas uma pequenina diferença em relação aos impostos. Estes, sabemos quando os pagamos, o IMI, o IUC, o IRS...Já a morte, pode ser a qualquer momento, não tem idade.
Por isso, não vá o diabo tecê-las, o melhor é fazer este Plano.
Para quê procurar problemas se os podemos resolver já?








Sem comentários:

Enviar um comentário